Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2010

 

  

Há tempos dei por mim a pensar que talvez fosse boa ideia terminar o blogue e dar por encerrada a minha aventura blogueira e o meu sonho de transcrever para o ecrã do computador algumas das estórias e estorietas da tradição oral sobradense e das aventuras quotidianas destas gentes. Mas, estando , quase como o Camões com o manuscrito na mão,não para o salvar mas para me livrar dele eis que surge mais uma estória digna de figurar nesta recolha.

A estória de hoje, verídica, porque conheço os intervenientes, relata mais uma vez, e de uma maneira muito particular, a diferença, até anatómica entre um sobradense e outro comum mortal.

Sendo uma das intervenientes mãe de duas crianças gémeas, e falando acerca da sua gravidez, remata a senhora sem mais nem porquê com a seguinte explicação para a diferença de tamanho e robustez física entre as duas crianças:

- É que sabe eu já estava grávida de três meses quando fiquei grávida do segundo, por isso é que eles têm esta diferença entre eles... um nasceu com nove e outro com seis meses.

 


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publicado por estoriasdaminhaterra às 23:26
Quarta-feira, 22 de Setembro de 2010

Há três coisas que marcam a vida de uma pessoa, o nascimento, o casamento e o funeral. Umas mais que outras, mas todas três são marcos importantes na vida de um ser.

A estória que relato, verídica, é da segunda marca de vida de um antigo habitante da aldeia de Ferreira. Era um " panão", diz quem conta. Mas arranjaram-lhe casamento.

Os amigos ( da onça) fizeram-no crer que uma moça de Sobrado de cima havia aceitado casar com ele. O galaró envaideceu-se. Moça de "teres e haveres" haveria de ser "bô" negócio para a família. Mais uma vez os amigos ,dispuseram-se a tratar de tudo e marcaram a data para um desses dias do fim de Setembro, pela noitinha para fazer render o dia de trabalho.

 

Tudo a postos veio a noiva, toda cheia de não me toques ,de veú na benta, fazer o matrimónio. Ai que regabofe havia de ser quando a moça viesse cá para casa...

 

Ora diz-se por aí que antigamente o casamento era realizado mas nem sempre a noiva seguia para casa do noivo, acabando por ir muitas vezes dentro de dias ou semanas conforme lhe conviesse. Foi o que aconteceu.

 

No Domingo seguinte á saída da missa a irmã do noivo,jubilosa com a nova cunhada, mete a mão no braço da moçoila e alegremente diz-lhe " Anda cá mais nós, tu agora és nossa!"

A rapariga, a leste do  desfez ali o mal entendido acabando por descobrir a marosca.

O que foi o que não foi, foram os amigos do fidalgo que lhe pregaram a partida, um vestiu-se de noiva, outro de padre e fizeram o casório. Foi o primeiro e último ( até á data) casamento gay em Sobrado.


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publicado por estoriasdaminhaterra às 13:53
Terça-feira, 21 de Setembro de 2010

 

 

 

Escrevo mais pobre.O co- autor deste blogue faleceu recentemente, como se diz nas lides jornalísticas, vítima de doença prolongada. Era o meu avô. Foi dele que ouvi grande parte das estórias deste blogue. Foi com ele que me deliciei com as suas estórias que por vezes terminava, olhando para mim com aquele brilho nos olhos que nos invadia a alma e dizia " Esta podes por lá no nosso sitio na intranet". Era este o "nosso sitio". O sitio que partilhavamos convosco. 

De quando em vez obrigava-o a visitar o " nosso sitio". Nunca compreendeu bem como é que a leitora "daplanicie" nos descobriu, mas quando lhe disse que era do Crato, soltou um " Não há dúbda" e rematou a questão.

Foi assim que ao longo destes anos fomos pondo em prática uma das coisas que mais gostavamos de fazer. Ele de contar estórias e eu de ouvir.

É assim que continuarei o " nosso sitio", com o legado do meu avô e a dedicatória deste blogue ao contador de estórias António da Silva Pinto.

 

 

 



publicado por estoriasdaminhaterra às 18:33
Quinta-feira, 04 de Fevereiro de 2010

Hoje pintei uns óculos aos meus alunos porque eles acharam que os escritores usam todos óculos ( note-se que estou a escrever sem a minha prótese habitual). Os meus pequenos escritores estiveram a treinar a génese na linha com grafismos simples, para um dia escreverem e escreverem e escreverem...

E enquanto " escreviam" num escrever repetitivo de quem tenta apanhar-lhe o jeito a minha mente rebuscava estórias de escritores mais ou menos sérios. O resultado foi a estória que se segue...

 

A reunião como sempre decorria animadamente com os cerca de 30 presentes enregelados a falarem uns para cada lado enquanto a " direcção" não se decidia a impor um pouco de ordem na sessão.

A conversa começou de circunstância e acabou profunda e reflectida.

Sentada ao meu lado uma mãe deslindava as habilidades do primogénito. Aluno empenhado que começara a escrever e a ler aos 5 anos. Um caso de criança sobredotada. Brilhante em todas as áreas, principalmente na escrita. Eu ouvia atenta e ía dando os palpites que a profissão me permite. Assim decorria a conversa. E assim decorreu até a mãe estabelecer as normais comparações entre progenitores e descendentes.

A mãe também era versada nas artes da escrita. Escrevia bastante e era uma das suas paixões mais significativas. Conseguia escrever horas, abstraída de tudo e de todos, presa apenas á sua paixão.

Eu, presa aquelas palavras efusivas, questionei que tipo de escrita fazia, prosa, poesia...

Nomes, responde apressadamente a interlocutora.

Ás vezes sento-me e começo a escrever o meu nome todo, sou capaz de o escrever quinhentas vezes, outras vezes ao domingo á tarde escrevo os nomes e as datas de nascimento da família toda... Escrevo até não poder mais...

E foi assim que aprendi que também podem haver escritores de nomes e escritores de nomes copistas...

Bolas, quinhentas vezes!?


música: baile da biblioteca
sinto-me: 500 vezes!

publicado por estoriasdaminhaterra às 20:55
Sexta-feira, 22 de Janeiro de 2010

Que Sobrado é rico em interpretações linguísticas muito características não é novidade para ninguém. É por isso que cada vez mais penso se quando os meus alunos dizem " buber" ou " botar" em vez de " beber" e "deitar" ou "colocar" em vez de os emendar não os  devo incentivar para que o nosso dialecto não morra tão precocemente. Quem sabe se daqui a umas décadas ou a uns séculos não veríamos as nossas típicas expressões transformadas num " mirandês" á sobradense. Estranha mania a nossa de corrigir e criticar pronuncias que nos distinguem dos outros.

 

 

 

Enfim e tudo isto para dizer que esta semana descobri mais uma das nossas pérolas linguísticas. Queixando-se um sobradense que havia cumprimentado o amigo sem que este o tivesse visto, responde-lhe o outro que não levasse a mal pois afinal só conseguia ver vurtos, e que quando o amigo o cumprimentou só viu um vurto com a mão no ar ...

O cómico da situação leva-me a pensar quantos mais vurtos ainda veremos e ouviremos daquilo que um dia foi " falar á sobrado"...

 

Deixo a   lista das minhas pérolas preferidas e o apelo aos leitores de acrescentarem mais algumas que se lembrem ou que usem...

 

auga - água

rigelos - rojões

bubere - beber

bichicoda - laço

manhão - manhã

botar- deitar, colocar algo

baleta - beira da estrada ou caminho

çabola - cebola

coives - couves

celoiras - ceroulas

tchuva - chuva

comixão - comissão

lapes - lápis

quantal - quando tal

aito - oito

abroba - abóbora

entruido - Entrudo

(...)


música: pronucia do norte
sinto-me: mov. salvem a nossa pronuncia

publicado por estoriasdaminhaterra às 15:15
Terça-feira, 11 de Agosto de 2009

Agosto é o mês por excelência do ciclismo e nós, sobradenses que vimos nascer dois campeões da prova rainha do ciclismo português nutrimos um especial carinho por esta modalidade. Não é portanto estranho ver sobradenses na primeira quinzena de Agosto a rumarem com toda a dedicação e interesse ás metas ou aos locais de passagem da Volta, para apoiar este ou aquele ciclista, aquela ou a outra equipa.

E foi assim que á alguns anos atrás, aquando da passagem da volta pela localidade vizinha da Agrela que um grupo de afoitos apoiantes do ciclismo , enquanto esperava pela rápida passagem dos ciclistas, discutia as suas preferências pelas equipas participantes.

O diálogo abaixo descrito ( cujos interlocutores são obviamente sobradenses) é uma das pérolas das piadas de apoiantes desta modalidade.

 

- Eu para mim o Benfica é que tem a melhor equipa!

- O Benfica ganha juízo pa, a Pecol é que vai dar cartas!

- Ai eu sou pela Sicassal!

- Olha a sicassal, a milaneza é que é!

- Para mim a Liberty é que ganha...

 

Ao que, mediante esta revoada de apoios a grandes equipas, remata uma das sobradenses que também á Agrela se tinha deslocado e que até então ouvia os sobradenses debateram o apoio ás equipas queda e muda.

 

- Uns apoiam o Benfica, outros a Milaneza, a Liberty e ninguém apoia o Tavira! Eu cá sou

p'uTavira!

 

Mais palavras para quê?

 



publicado por estoriasdaminhaterra às 14:55
Quinta-feira, 16 de Julho de 2009

Que Sobrado é uma terra rica em enfermos é um facto ( a avaliar pelo número de vezes que a ambulância visita a nossa santa terrinha).

Mas que os sobradenses tinham a mesma sensibilidade e empenho em ajudar humanos e animais é um facto novo...

Ora apreciem só este gesto de generosidade e dedicação a um ser de quatro patas...

Cenário: um tanque de rega na Costa. Um cão vadio lá dentro. Aflito tenta manter-se á tona da água. Uma população enternecida e preocupada com a aflição do animal. Os bombeiros voluntários de Valongo numa missão arriscada e muito sonora tentam dar resposta em tempo a contra relógio.

 

E foi assim, que numa pacata tarde de Junho foi " acordado" o lugar da Costa. Os bombeiros a tocar, a vizinhança a vir á rua a ver o que se passava e o canito a ladrar e a engolir litradas de água no tanque do Ferreiro. O drama o horror... Num gesto intrépido e audaz os bombeiros arriscam tudo e salvam o vira latas. Este, agradecido pelo gesto e perante os olhares comovidos de quem viu a cena, dá duas sacudidelas e sem au nem aõ vai-se embora refeito do susto.

 

Felizmente temos os bombeiros aqui ao pé...

 



publicado por estoriasdaminhaterra às 12:13
Sexta-feira, 12 de Junho de 2009

Contaram-me estes dias a titulo de paixões e patifarias uma estória digna de figurar nesta página, muito mais porque a paixão sobradense já anda de tal forma no ar que já quase se lhe sente o sabor.

O cenário da estória podia ser o de qualquer casa sobradense com bugios homens e apaixonadas mulheres. Chegam a casa os dois manos bugios estoirados da dança de entrada e do sobreiro, aproveitam para tirar a farda, que o calor é muito, e descansarem um pouco antes da dança do doce. As manas esperam, como que numa emboscada ás presas ( as fardas), Morfeu entra no quarto e os manos entregam-se nos seus braços. É agora, sem meias medidas as irmãs vestem as fardas dos irmãos e aí vão elas, galhofeiras, destino a Campelo matar a negra. Acordam os irmãos e... fardas de grilo, chegam já ao fim da tarde cansadas de tanta ramboia mas felizes ... " Suas grandes curtas nós á espera das fardas e vós na ramboia ".  paixão vê-se em Campelo, no dia 24.



publicado por estoriasdaminhaterra às 11:31
Terça-feira, 31 de Março de 2009

Num dos meus raros momentos ociosos em frente á televisão ouvi uma publicidade curiosa a propósito do plano nacional de leitura ( aquele que tem as etiquetas coladas nos livros da miudagem a dizer LER MAIS com o sinal de mais), a senhora com voz de sereia dizia o seguinte " Sabia que em Portugal mais de 70% da população não concluiu o ensino secundário ? Blablabla..."

 

Não, não fiquei aterrada, reconheço ( do alto da minha ignorância) que somos um país rico em taxas de alfabetismo abaixo da média da UE, reconheço que somos assim um bocadinho  ignorantes no que diz respeito ao teorema de Pitágoras e que o nosso raciocinio lógico matemático anda um bocado distorcido da realidade, contudo gostava de saber se na Filândia ( O alter ego da educação em Portugal) há estórias assim como a que vou contar...

 

Há muito muito tempo, no tempo em que não havia CNO's( centros de novas oportunidades) , nem metas da OCDE para atingir , fazia-se em Sobrado uma coisa que se chamava " Educação e formação de adultos", e que como o próprio nome indica era dirigido a adultos, supostamente para saírem de lá " dotados das competências básicas" para ir á mercearia comprar meio quartilho de vinho e serem capacitados para utilizarem os principios rudimentares da escrita da lingua mãe ( como vêm até domino alguns termos técnicos do eduquês em português).

 

Ora, numa destas aulas, extremamente importantes para contrabalançar a taxa de analfabetismo, mostra o professor ( do alto da sua sabedoria) a imagem de uma caneca, onde o exercício proposto era o aluno ou formando ser capaz de ler as três silabas que alegramente quase que bailavam entre si, debaixo da imagem CA-NE-CA.

 

O professor olha atentamente a turma e escolhe a vitima, ups digo o formando, - Então Sr. Joaquim é capaz de ler o que está escrito por baixo da imagem?

- Oh essa é fácil, IN - FU- SA , infusa senhor professor.

 

Haverão palavras para descrever a rapidez de raciocinio e a lógica com que o aluno associou a imagem á palavra ? Julgo que não... Sorte teve o professor que no meio de uma turma das camadas mais velhas ficou a saber uma palavra nova para definir caneca, a maneira de Sobrado. Infusa, ora essa.

Será preciso LER mais? 


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sinto-me: vai uma infusa de tintol
música: Ora zumba na caneca

publicado por estoriasdaminhaterra às 16:54
Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2008

Se tivesse de fazer um guia gastronómico dos pratos e doces típicos de Sobrado, não podia, sem dúvida deixar de fora as sopas secas. Um doce parecido com os famosos formigos ( embora com menos ingredientes) e bastante apreciado  nesta freguesia.

Tempos houve, em que os doces natalícios sobradenses praticamente se resumiam a um alguidar de sopas secas e uma travessa de aletria, sendo isto considerado um lauto banquete. Mas, já lá diz o ditado, " mudam-se os tempos mudam-se as vontades", e as sopas secas têm vindo  perder adeptos em detrimento do pudim, do bolo rei e das rabanadas. Portanto, acho que será a hora de lançar um apelo aos leitores para salvarmos as sopas secas e lhes darmos um novo vigor e uma nova vida nas nossas mesas natalícias, sob pena de, se não o fizermos, corrermos sérios riscos de perdermos estórias como a que se segue.

 

Era véspera de Natal e na aldeia de Ferreira sentia-se um forte odor a canela e açúcar no ar. Era quase impossível não sentir o doce apelo de um dourado alguidar de sopas secas acabadinhas de sair do forno. A fome era muita e a vontade de adoçar o bico ainda maior. Havia uma oportunidade e havia um motivo, mais uma vez o velho ditado fazia todo o sentido " A ocasião faz o ladrão"!, e afinal o alguidar até era de uma família abastada, não deveria fazer grande diferença um alguidar de sopas secas. O certo é que fez. E ainda mais porque o descarado ladrão, depois de " encher as bentas" com um alguidar inteiro de sopas secas ainda o deixou vazio, de cú para o ar em cima de um esteio perto da casa dos lavradores em sinal de afronta!

 

Esta estória, que aconteceu em casa do Moutas de Ferreira, deixa-me uma certa nostalgia...Que bom que era quando os ladrões só roubavam alguidares de sopas secas e ainda se davam ao cuidado de deixar os despojos do roubo em local onde facilmente seriam encontrados, minimizando assim as perdas. Mas nostalgias á parte, e para fechar com chave de ouro este post fica a famosa receita das sopas secas para quem quiser fazer cumprir a tradição, e preparar um delicioso alguidar de sopas secas para a ceia da passagem de ano.

Ingredientes:

 

Pão velho q.b.

Açucar loiro

Canela em pó

Água

1 Alguidar de barro

 

Modo de preparação:

 

Num tacho coloque água, canela e açúcar q.b. e deixe ferver. Enquanto a água levanta fervura, parta o pão ás fatiase coloque o alguidar a jeito.

Assim que a água levantar fervura, começe a demolhar as fatias de pão e a coloca-lo no alguidar, por cada camada colocada pulvilhe abundantemente com açucar e canela, repetindo sempre até o alguidar estar cheio. Posto isto, levo o alguidar ao forno até o pão ficar dourado na parte de cima do alguidar.

 

Sugestão:

Acompanhe o prato de sopas secas com um cálice de vinho do porto ou ginja.



publicado por estoriasdaminhaterra às 12:15
O blogue estoriasdaminhaterra recolhe estórias da tradição oral sobradense bem como factos da vida comum de uma pequena vila dos arredores do Porto...
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