Terça-feira, 27 de Novembro de 2007

Há uma música que povoa as minhas memórias de infância, é uma coisa assim sem tom nem som mas que nunca consegui esquecer. Começava com uma voz entre o esganiçado e o rouco e tinha uma letra bastante elucidativa.

 

Ia por aí abaixo

Um carro aos trambolhões

Uma carroça sem rodas

e um cavalo sem travões

Ai txic txic txic txic

 

( ler num registo tipo M á rio Viegas)

 

Como vêm uma pérola da música portuguesa e que só no fim de semana passado, enquanto em família se divagava sobre músicas da nossa vida ( esta era a música que eu nunca escolheria para a minha música) descobri onde passava este best off musical dos longínquos anos 80. Passava na rádio Sobrado e era uma de entre muitas outras músicas do género.

Desconhecia até então que Sobrado já teve rádio, e pelos vistos era uma rádio e tanto, pois contribuiu vivamente para a expansão da música portuguesa e do anedotário sobradense . Conta quem ouvia que não raras vezes, os locutores num claro espírito de abertura e partilha à comunidade local, partilhavam segredos das suas vidas pessoais, facto que ocorria sempre que se esqueciam de desligar o microfone e transmitiam assim,em sinal aberto as suas ânsias e frustrações face à vida. Uma das situações relatadas dizia respeito ao casamento de um dos locutores e começava da seguinte forma:

 

Seguimos agora para mais um momento musical ( ler com a voz radiofónica)...

Ainda no ar mas falando como se não estivessem.

- Então fulano quando é que te casas?

- Eu ( pausa ocupada com palavrões ao gosto do leitor) era o que me faltava casar com essas ( palavrão novamente ao cuidado do leitor) eu tenho mais que fazer da minha vida do que aturar essas ( novamente o dito palavrão, esse mesmo que o leitor está a pensar).

E a conversa continuava animadamente até um dos interlocutores se aperceber da gafe e emendar com uma composta frase do género:

- ehnnn pedimos desculpas aos nossos oubintes plo incedendente de à bocado.

 

E o mais curioso é que em pesquisas na internet sobre este fenómeno ( Rádio Sobrado) descubro que estas emissões motivaram uns jovens para fazer rádio, e mais estranho ainda foi a génese ( por assim dizer) de uma rádio do Porto. E esta hein?

Apetece-me mesmo dizer, há coisas fantásticas não há !?


sinto-me: musicalmente inspirada
música: Ia por aí abaixo

publicado por estoriasdaminhaterra às 16:45
Segunda-feira, 19 de Novembro de 2007

Em termos gastronómicos Sobrado possui os seus inegualáveis doces brancos ( vulgarmente chamados de cavacas noutras freguesias) e o cabrito assado no forno. No entanto, embora estas iguarias sejam as mais famosas não são as únicas na terra. A lebre no forno à Sobrado, é se não uma iguaria pelo menos um mito gastronómico. Reza a história que ali para os lados da Costa havia um perdigueiro que era imbatível na caça às lebres, sendo ele o impulsionador deste prato.

 Vindo o dito perdigueiro em perseguição desenfreada de uma lebre já desde os montes do Recoste, atravessa a " cortinha " da casa e desce ao quinteiro da habitação ( sempre com a lebre em fuga á sua frente), a lebre sentindo-se perdida e não vendo outra saída senão umas escadas que levavam até á cozinha, atira-se por elas fora tentando dessa forma escapar à morte certa, o cão persegue-a arfando e rosnando. A lebre desespera por um esconderijo quando entra na cozinha. A tensão paira no ar, a lebre sente-se perdida de vez, quando de rompante olha para um canto e vê uma porta, num impulso salta e enfia-se naquele esconderijo, o cão ladra uma última vez, a dona da casa entra e cuidadosamente tapa a porta do esconderijo, o forno onde momentos antes havia metido umas batatas a assar...

 

Ingredientes:

1 perdigueiro que corra bastante e que saiba orientar a lebre

1 lebre do monte

1 forno pré aquecido

batatas

 

A estória de hoje era contada por uma das recorrentes personagens deste blogue, o exagero e a fantasia desta estória tornam-na numa verdadeira pérola das estórias sobradenses e merecedora de assinalar a estória número 100 deste blogue.

 

Regionalismos:

Cortinha- terreno de cultivo

quinteiro- amplo espaço no interior das casas de lavoura. Orientava-se á volta do quinteiro as cortes dos animais, adegas e arrumos para a alimentação do gado.


tags: ,
sinto-me: com fome desta lebre
música: Sou um mestre a culinária

publicado por estoriasdaminhaterra às 15:06
Quinta-feira, 15 de Novembro de 2007

Isto de tudo quanto é terriola ser elevado a vila tem muito que se lhe diga. Actualmente Sobrado não tem uma única aldeia no seu território circundante e mesmo Sobrado não é excepção, tendo também a nossa pacata terrinha sido elevada a Vila a 12 de Junho de 2001. O facto gerou alguma controvérsia entre habitantes mas no final predominou o título de " Vila de Sobrado" ,para o bem e para mal.

A freguesia vizinha ( Gandra) também não escapou à febre das vilas e cidades e «recebeu o título de cidade ( 2003).

O acontecimento não passou em branco aos sobradenses que rapidamente trataram de ( mais uma vez) inferiorizar o título. Entre muitos comentários ( altamente construtivos!) salientava-se um, que defendia que Gandra nunca poderia ser cidade porque, ao contrário de Sobrado cujo centro é o largo do Passal ( rodeado pela Junta de freguesia, igreja, cemitério, escolas, correios, banco, lar, centro de saúde e comércio), Gandra não possuía um espaço que pudesse ser chamado como " centro da cidade". Os gandarenses bem tentavam defender-se, mas em vão, uns diziam que o centro era ao pé da igreja de Gandra, outros que era na nacional que liga a Paredes, nada feito, não havia ( nem há) consenso quanto á localização do centro de Gandra.

Não obstante, os Sobradenses , como bons vizinhos que são disponibilizaram-se a resolver o problema. Segundo a teoria sobradadense , o melhor era mesmo por a placa ( que até hoje ainda deve estar guardada) a indicar " CENTRO" em direcção a Sobrado, e adoptar o Largo do passal ( Sobrado) como centro provisório da cidade de Gandra. Não me perguntem porquê mas os Gandarenses parece que não acharam piada à ideia, e Gandra continua sem centro...


música: São os loucos de...
sinto-me: Descentrada...

publicado por estoriasdaminhaterra às 11:43
Quarta-feira, 07 de Novembro de 2007

Hoje me dia o comum é ver as pessoas calçadas, mas tempos houve que andar descalço era prática comum ( principalmente de Verão, sendo que de inverno o mais utilizado eram os socos).

O calçado era poupado para ocasiões mais especiais, como ir à missa, ao Porto*  ou a qualquer outro sitio que fosse merecedor de calçado digno desse nome.

Era assim que as pessoas viviam, com os pés descalços e habituados à dureza dos caminhos. Portanto não admirava que as pessoas mal sentissem o que por debaixo dos pés lhe passava, tendo a pele de tal maneira " curtida" que nem mesmo uma tacha fazia grande mossa.

Foi assim que andou um sobradense por mais de três semanas, com uma tacha cravada numa greta que tinha no pé. E o mais estranho é que só ao fim de três semanas é que disse à filha enquanto esta lhe lavava os pés:

- Oh rapariga vê o quê que eu tenho pra'i nesse pé que de quando em vez sinto uma impressão quando ando...

A rapariga, para seu espanto, e no meio de terra e areias vê sair da greta uma tacha enferrujada que, estupefacta mostra ao pai.

- Eu também tinha cá para comigo que havia de ser uma tacha ou um prego, remata o pai.

A prova que as gentes de Sobrado são duras na queda...

 

*Existiam nas entradas da cidade do Porto um guarda barreira que além de controlar as mercadorias que entravam na cidade, impedia a passagem a quem se apresenta-se descalço. Contava a minha Bisavó que iam até à entrada do Porto com uns chinelos na mão e só quando chegavam perto do guarda barreira os calçavam para poderem passar.


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sinto-me: Gente dura

publicado por estoriasdaminhaterra às 12:08
Terça-feira, 06 de Novembro de 2007

Embora não seja uma terra turística lá quando o rei faz anos aparece um ou outro turista por terras sobradenses ( normalmente perdidos). Da última vez que tal aconteceu ( que eu saiba)tive uma participação activa na orientação dos turistas.

Como é hábito o Domingo de manhã tem sempre como actividade ir comprar o jornal às bombas de gasolina da terra para durante o resto da manhã colocar as leituras em dia.

De uma das vezes que lá cheguei, deparo-me com uma situação caricata. Ao balcão estava  ( além da funcionária que apreciava a cena atónita) o patrão e um casal ( que de relance me pareceu inglês e mais tarde descobri que eram irlandeses). O patrão tentava por desenhos explicar aos dois turistas como ir para Braga a partir de Sobrado. O desenho com setinhas e rabiscos não era lá muito elucidativo. Os turistas estavam à rasca. Disponibilizei-me para explicar ( e desenferrujar o meu inglês). Depois de lhes perguntar se falavam inglês ( ao que responderam um sim como se tivessem tido uma visão) lá lhes expliquei conforme podia e sabia como haviam de ir para Braga. Percurso A42 ( aberta em regime de part time na altura) A3 e dentro de 50 minutos estariam em Braga. Muito simples. Vim-me embora com sentimento de missão cumprida e de que afinal o meu inglês até se percebia com algum esforço.

Cheguei a casa e relatei a cena à família que rapidamente me explicou que aquelas horas os irlandeses não iam para Braga ( a estrada estava cortada para alguns reajustes durante aquele fim de semana) e que provavelmente andariam ainda mais perdidos ( nalgum desvio mal sinalizado) do que o que estavam quando chegaram a Sobrado.

Ao fim de quase dois anos espero do fundo do coração que tenham chegado a Braga...


música: ups I Did it again
sinto-me: Desorientada

publicado por estoriasdaminhaterra às 14:32
O blogue estoriasdaminhaterra recolhe estórias da tradição oral sobradense bem como factos da vida comum de uma pequena vila dos arredores do Porto...
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